Archive for 2013

Meu Presente de Natal


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Rodrigo, 9 anos.

Nossa, as manhãs de Natal são mesmo as melhores. Mamãe me acordou hoje dizendo que os presentes estavam embaixo da árvore, e que os biscoitos com leite foram comidos me deixam sempre pensando se o papai noel existe mesmo... Ou não. Cara, seria muito irado. Pensa só num velho que consegue correr o mundo inteiro pra entregar os presentes? Fala séerio.

Eu desci as escadas correndo e tropecei na minha meia do Batman. Ok, sou muito grande pra usar meias do Batman, mas, de verdade, o Batman é o Batman. Não tem idade pra querer ser o Batman. Então eu desci o resto das escadas e quando cheguei à sala de casa, papai estava com meu tio e minha tia. Meu pai. Meu tio e minha tia.

Deixa eu explicar, meu pai mora nos Estados Unidos, e meus tios moram em São Paulo. Então... Não sei se tem presente melhor do que o papai noel deixou pra mim nesse ano. Quando olhei em volta, meu primo estava perto da barra da saia da tia, e me olhou sorrindo, com aqueles cabelos loiros e confusos demais, e eu olhei meu pai.

Papai. Cara, isso sim foi irado. Ele me abraçou e me deu uma caixa que tinha uma coleção de bonecos dos Vingadores. Tinha o Hulk, o Thor, Homem de Ferro e o Capitão América. Mas nem me importei com os bonecos. (Me importei sim, to dormindo com todos eles na minha cama RÁ.) Então, no meio do café da manhã, com a família do meu pai, eu ouvi um chorinho estranho, e vi minha tia levantar. Olhei minha mãe e ela sorriu pra mim, me dizendo que João havia ganhado uma irmãzinha.

Mais crianças? Eu tinha que ver. Levantei e segui minha tia até um carrinho de bebê na sala. Era rosa, e tinha umas coisas penduradas. Tia tirou um bebê loiro e gordinho do carrinho e eu cheguei perto pra ver. Ela parecia uma boneca dessas que eu via nas lojas. Tinha o cabelinho loiro, e os olhos eram bem claros. As bochechas eram meio vermelhas, e a menina era bem branca. Perguntei o nome dela pra minha tia e ela disse que era Sara.

Era bonitinha, Sara.

Depois voltei à cozinha pra terminar de comer, e passei o resto do dia brincando com papai, João, e meu tio. Foi um bom dia de natal.

Guigo.

Por Trás de Olhos Verdes


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Matheus, 14 anos.

Ninguém sabe como é ser o Homem mau, ser o homem triste, por trás de olhos verdes. E ninguém sabe como é ser odiado, rejeitado, destinado a contar apenas mentiras. Todos só vêem através de mim, da minha fome, do meu desespero. Todos só enxergam o garoto sujo, perdido, drogado. Todos os pés que se acumulam na lama das ruas de Porto Alegre, em meio a chuva, chutam mais lixo em minha direção.

Eu pareço vazio, pareço morto. Minha mãe a tempos se foi, e as lágrimas atrapalham minha visão, porque essa é a noite de natal, e mais uma vez eu estou só. Invejo as outras crianças que seguram as mãos de seus pais e por isso estão felizes. Só queria poder estender minha mão e segurar a de alguém que me roubasse do frio. Porque meus sonhos não são tão vazios quanto minha própria consciência parece ser. 

-Se eu beber um veneno, enfie o dedo em minha garganta, e me faça parar. Se eu tremer... Me dê um cobertor que me mantenha aquecido... Por favor... me dê um casaco.

Eu tenho horas de profunda solidão, mas não é por opção. E sinto que meu amor é a vingança que aconteceu. E que nunca me deixará livre. Porque o sangue de meu padastro ainda suja minhas unhas, meus dedos, minha alma.

E ninguém sabe como é sentir esses sentimentos, como eu sinto... E eu culpo a vida, que me pôs na merda novamente. Não reprimo novamente as lágrimas duras como a realidade, que escorre por minha raiva, dor e angústia. É nessa hora que eu me mostro completamente. Ainda que meus sonhos não sejam tão vazios quanto minha consciência, e, em minha solidão, eu veja que minha vingança nunca me permitirá ser livre.

Porque meus pesadelos só começaram, e nunca vão parar. E ninguém sabe como é ser maltratado, ser derrotado, por trás de olhos azuis. Eu não sei como falar que estou arrependido, e que não estou mentindo, e que queria uma chance para ser como outra criança. Uma chance para recomeçar. Passo os dedos sujos de sangue pelo chão molhado e tento limpar as marcas que os mancham. Cuspo nas marcas, firo minha pele. Tenho vontade de gritar.

Porque meus sonhos não eram tão vazios, e minha consciência não era tão atormentada. Eu só queria não ser um homem mau, um homem triste, derrotado, maltratado, odiado, rejeitado. Eu queria que alguém me desse a mão, e segurasse minha dor. Queria ser um menino. Queria que quando meus pulsos se fechassem, alguém os abrisse até quebrar meu desconforto. Seria um ótimo...

...Presente de natal.

Mas nenhuma de minhas aflições ou dores podem transparecer. E, se eu ousar sorrir, me dê alguma notícia ruim, antes que eu sorria e aja como um tolo, porque sou feito de algo pretenso a não ser feliz.


Matt.

Behind Blue Eyes - The Who.

Claro Que Te Amo


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Sara, 18 anos.

Hobbies. Todas as pessoas no mundo tem um. Suas preferências, coisas que todo mundo gosta de fazer, o modo como as pessoas usam seu tempo. Alguns praticam esportes, outros são cinéfilos. Alguns passam o tempo dormindo, outros gostam de escrever, compõem músicas, tocam instrumentos musicais. Eu gosto de pintar. Já devo ter falado ou pensado isso mais de uma vez, mas há um sentimento dentro de mim que me diz que eu estou fazendo o certo, quando ponho cores em uma tela, e monto desenhos. Me acalma, extravasa meus sentimentos, transborda-me por dentro, transformando meus pensamentos em arte.

É como um desejo de deixar minha contribuição para a humanidade. E acho que algumas pessoas, além de mim, tem essa vontade.

Uma delas é a autora de um livro que li recentemente. Lúcia me recomendou, e me deu o livro como presente de natal. Chegou aqui em casa com um pacote da livraria Saraiva, e me entregou. Eu achei realmente lindo da parte dela, me dar de presente um livro com esse título: Claro que te amo.

Nas palavras de Lúcia, o livro tem boa repercussão, e é de uma autora nacional, e com todos esses atributos, ela me convenceu facilmente a ler. Claro Que Te Amo já ganhou minha simpatia daí. Ele passou uns dias em cima da minha mesa de cabeceira, e eu procurava um motivo para ler, até que mais um fim de semana reclusa em meu quarto me levou a abri-lo. Não me arrependo em nenhum momento, desde que comecei essa leitura. Eu gostei mais do que achei que gostaria. Muito mais, na verdade. Surpreendi-me.

Vou contar um pouco da história, mas sem estragar nenhuma das melhores partes... Aliás, só quero compartilhar essa experiência única. Piera, a personagem central de Claro que te amo, assiste, escondida, ao casamento do ex dela. Muito fossa, mesmo, mas eu me identifiquei em gênero, número e grau. Sabe, eu já passei por um momento parecido, quando conheci Lílian, a namorada que Rodrigo arrumou durante minha viagem à Paris, ano passado. Enfim, eu me identifiquei com o sentimento de Piera, quando viu o ex casar, logo na primeira página. Tipo... Amiga, eu te entendo completamente.

Depois desse momento difícil para ela, e entre várias lições de vida que eu já levo para mim, como crescimento pessoal, Piera conhece Marcelo, que é tipo a perfeição em forma de ser humano. Mas não vou contar mais nada, porque, enfim, eu quero que você também leia e se sinta como eu, tomada pelo livro, e em completo êxtase com o final, e em ressaca literária depois que acabar. Me senti orfã da história, como em todo bom livro.

Ajudou-me a passar o tempo, sonhar um pouco, e desanuviar minha mente, porque, em como tudo o que acontece na minha vida, tenho meus problemas, e sempre tento me organizar. Ler é minha válvula de escape, e tem sido algo que me ajuda muito. Mal posso esperar por alguma nova história que me arrebate como esta me arrebatou.

E pra esta história, contada por Tammy Luciano, só tenho uma coisa a dizer: 

...Claro que te amo.

Sara.


Christmas Tree.


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Brent, 20 anos.


Enquanto a neve caía do lado de fora da janela, eu pensava.
As luzes eram brilhantes, coloridas.
Eu ouvia canções de natal e me esquentava com o calor da lareira.
Ouvia o crepitar da lenha queimando, bebia algo quente que minha avó preparava.
Todo natal na casa dela era silencioso, e eu sinto saudades.
O cheiro dos biscoitos recém saídos do forno ganhava a casa inteira.
Assistíamos então os especiais de Natal na TV.
Eu era apenas uma criança.

Em outros Natais eu saía com meus amigos.
Patinava na pista que havia em meu bairro.
Lembro que naquela pista, numa véspera de Natal, dei meu primeiro beijo.
Já naquele tempo eu conhecia a Tampinha.
E já sentia-me ligado a ela.

Lembranças distantes da minha realidade atual.
Ainda é o mesmo Natal. As mesmas festas, os desejos, a ceia.
Ainda posso sentir o cheiro dos biscoitos, e o crepitar da lareira.
O vento frio, os sinos do coral de crianças que visitava as casas.
Os especiais da TV ainda são os mesmos, só minha companhia me falta.
O sorriso de minha avó, com sua delicadeza idosa, desapareceu.
Mas não de minha memória.
Eu ainda posso ver, em meus sonhos, a neve rodopiando pelo ar, do lado de fora da janela.
E as noites escuras ainda estão iluminadas pelas luzes coloridas, que enfeitam as casas.
Era com ela que eu gostava de montar a árvore de natal.

No meio da sala, com as caixas de presentes no chão.
Cada pingente representava uma lembrança dela, coisas que ela guardava através dos anos.
Colecionava bolas coloridas, anjos de porcelana, estrelas brilhantes.
Ela dizia que cada peça ali guardava uma de suas memórias.
Algumas eram presentes de pessoas de seu passado, outras ela mesma havia comprado em lojas de departamentos.
Nós montávamos os pingentes e colocávamos sobre os galhos.
Era uma tradição que mantivemos enquanto ela foi viva.

Eu a mantenho viva em cada pingente que vejo, em cada árvore de Natal que observo.
De shoppings, à casas de amigos.
Ela viverá enquanto a tradição persistir.
Como por último, eu criei uma lição, para que sua memória se preserve em ensinamento.
Nada que ela tenha me dito, mas que eu mesmo digo.

A árvore de Natal é como sua vida, e cada galho é como um momento dela. Os pingentes são nossas escolhas, que criam nossa história. Um passado intensamente vivido significa mais pingentes para adornar sua árvore, e quanto mais bonito o pingente, mais bonita será a árvore, no fim.


B. Carter.


Verdade Ou Consequência


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Sara, 14 anos.

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Cheguei à algumas conclusões hoje, diário. Primeiro, vou parar de te tratar como se você existisse realmente. Tá na cara que isso é infantil, e pra uma pessoa que quer se afirmar como adolescente, quase adulta, não combina frases como: Querido diário. Portanto, sei que vai sentir saudade, mas a partir de agora vou parar de te tratar como um amigo. Por mais que você ainda seja, mas guarda isso em segredo.

É que eu queria ser mais velha do que realmente sou. Então as pessoas me levariam a sério, porque eu realmente tenho uma opinião a compartilhar, eu tenho uma voz. Tenho minhas necessidades, como qualquer pessoa. E todos deveriam ver que eu cresci, okay, não em tamanho, porque parece que Deus não quis que eu crescesse além desses 1.60 m. Mas em minha cabeça, eu já amadureci.

Só que continuo como a café com leite do grupo. Rodrigo parece ter perdido o interesse em ficar comigo e com Brent, e só aparece de vez em quando. Ele quer formar uma banda, só porque está fazendo faculdade de música. Já Brent sempre com aquele jeito frio, fica me protegendo de tudo, como se eu fosse criança. Algumas vezes, só algumas, eu tenho a impressão de que ele sente algo por mim. Seria assustador, se fosse verdade, porque Brent é um amigo, e eu nunca pensei em ficar com ele. Por mais que ele seja gatinho. hehe. O problema é que Rodrigo é o homem da minha vida, desde.. Affew, deve ter em algum lugar por entre os diários. Mas... O que eu ia mesmo contar quando peguei o diário...

AH SIM! Preciso crescer o mais rápido possível. Sério. Porque ontem à noite minha idade me impediu de realizar meu sonho de consumo 4EVER. Mas enfim, ontem à noite eu estava na casa deles, com meus pais, e nós três e alguns amigos do Rodrigo fomos ao porão, porque Rodrigo queria mostrar algumas músicas que ele compôs. Até aí, tudo bem, eu consegui me entrosar fácil, apesar de achar que as amigas de faculdade do Rodrigo estavam me olhando de cara feia. De certo pensaram que eu era muito pirralha para estar ali, mas eu cheguei antes delas na vida dele, então quero que elas explodam.

Depois de um tempo, uma das meninas propôs um jogo de Verdade ou Consequência. É LÓGICO que eu quis participar, e como todos concordaram, eu tentei sentar do lado de Rodrigo, mas uma das piranhas me empurrou e eu fiquei do lado de Brent e de Júlio, um amigo de Rodrigo que é irmão de Vanessa, uma colega minha de escola. Vi que Brent me olhou repetidas vezes antes de olhar a garrafa no meio da roda, mas não retornei nenhum dos olhares dele, porque na certa ele ia me mandar sair dali antes de o jogo começar. E uma das meninas girou a garrafa, fazendo o jogo começar.

Depois de perguntas e de consequências meio... Estranhas, do tipo cuspir dentro de um copo a três metros de distância, a garrafa apontou para mim. A pergunta seria de Rafaela, uma ruiva de cabelo cacheado que estava ao lado de Rodrigo, e parecia tentar conquistá-lo. Ela me olhou com uma carinha nada boa e soltou uma pergunta que me mortificou, quando eu escolhi Verdade.

"Então, Sara... Você já beijou algum cara?"

Ela foi má. É óbvio que eu sou BV, só consigo olhar para Rodrigo desde... Criança. Nunca me interessei por ninguém mais. Como eu sairia dali? Como eu saí? É Diário... Falei a verdade. Ouvi a risada de Júlio e mordi o lábio com força. Desviei os olhos do lado do que ria e vi Brent olhar para frente, ele tentava me apoiar.

"Certo, gira a garrafa, Tampinha."

Disse com aquela voz de tédio. Eu respirei aliviada, mas quando girei a garrafa, e ela apontou para Júlio, eu o olhei, e aquele sorrisinho malicioso me deu nos nervos. Então ele quis a consequência, e eu olhei Brent, pedindo ajuda sobre o que usar como consequência. Mas o próprio Júlio se adiantou, e me ofereceu algo.

"Se quiser, eu te beijo. Acaba com dois dos seus problemas... Seria um prazer."

Eu arregalei os olhos e mirei Júlio, com sentimentos misturados... Queria bater na cara dele, e sentia vergonha. Ouvi Rodrigo tossir, e Rafaela ofegar, rindo depois. Até que todos riram, e eu sorri, engolindo no seco aquela proposta. Eu pensei que Brent me tiraria daquela, como fazia todas as vezes, mas quem falou foi Rodrigo, e eu o olhei TOTALMENTE surpresa.

"Minha priminha não, Júlio. Manda ele jogar sem opção de fazer pergunta, e mandar logo uma consequência."

E eu fiz isso. Não sei porque, mas fiz isso, e Júlio girou a garrafa. Que caiu em Rodrigo. SIM, Diário, caiu em Rodrigo. E advinha qual a consequência que Júlio impôs?

"Sua priminha, seu beijo. Vai ter que beijar a Sara."

Pasme, ele pediu isso. Eu arregalei os olhos novamente e ouvi Rafaela protestar, dizendo que aquilo era ridículo, que o jogo não era só sobre mim, e que haviam outras consequências, e que haviam outras meninas ali, mas Júlio rebateu, dizendo que a única que nunca tinha beijado ninguém era eu. Brent interveio, e falou que eu só podia fazer algo assim se quisesse, então todos me olharam. Eu não consegui encarar ninguém ao meu redor, e só tirei o corpo fora. Então Rodrigo disse que faria.

ELE DISSE QUE FARIAAAAAA!!!!

Eu pirei, sério, mas por dentro, né? Porque... Quando ele chegou perto de mim, eu o olhei muito nervosa, e acho que ele interpretou de uma forma errada, e segurou meu rosto pelo queixo com um sorriso que me acalmou. Eu sorri sem querer, e ele beijou minha testa, e minha bochecha, e sussurrou na minha pele.

"Fica tranquila, não vou fazer nada." Depois ele se afastou e olhou pros amigos. "Aí, ela é café com leite, não dá pra pegar penitências mais pesadas, vou girar a garrafa."

É, quase rolou. Mas ele disse que eu era café com leite. CAFÉ COM LEITE. Tem noção de o quanto eu quero crescer, agora?

Sara.

Um dia de Descobertas.


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Rodrigo, 16 anos.

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Ninguém me entende. Às vezes, nem eu me entendo. De verdade. Mas neste exato momento estou sozinho em meu quarto, onde quero ficar para sempre. Deve ser um sonho, um pesadelo, aliás. Queria não ter escutado aquilo no consultório do médico... Queria achar que ele está errado... Se não fosse o quinto médico que dá o mesmo diagnóstico para minha mãe. As paredes daquele hospital agora deverão ser familiares para mim. 

ELA. Esclerose Lateral Amiotrófica. É um nome difícil, mas é um nome. É a explicação para as quedas da minha mãe. A falta de coordenação... Eu não sei explicar o que é a doença dela, só sei o nome, e é tão difícil que eu resumi em outro nome de doença. Prisão corporal. Agora eu sinto medo do que pode acontecer com ela. Não quero que ela passe o resto da vida atrofiando, como os médicos dizem que vai acontecer... Vivendo dentro de um hospital. Não pode ser. 

Escuto a porta do meu quarto bater, mas são batidas tão leves, que penso serem de criança. Sento-me na cama e espero a porta se abrir. Ela revela a criança de cabelos loiros, e olhos grandes. Sorrio levemente, e a chamo para se aproximar. Minha priminha. No mínimo ela vai começar a contar sobre o dia na escola, vai me pedir pra brincar com ela... Algo assim. E é justamente o que ela faz, quando pula na minha cama e em cima de mim. Eu rio com a risada dela, e sinto minha dor diminuir aos poucos. Sarinha é a criança mais cheia de vida que eu conheço.


Guigo.

Quando a Conheci.


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Brent, 14 anos.

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Um dia em minha vida eu tive que escolher um caminho.
Neste dia eu me separaria de meus pais, que foram morar no Brasil.
Sim, eu sei, devia ter ido com eles, mas gostava à minha vida antiga.
Eu nunca gostei de grandes mudanças, aliás.
E decidi que os veria de vez em quando.

Todas as férias, de verão e de festas de fim de ano, eu ia ao Brasil.
E o resto do ano ficava em casa, U.S.A.
Daqui, vejo a neve colorindo o chão num tom limpo de branco.
De lá, vejo a grama verde e úmida fluir do chão com vida.

Mas lá eu descobri algo.

Conheci uma garota loira que ri de tudo.
Minha prima, pelo lado do meu pai.
Seu nome é Sara, e eu me senti atraído a ser seu amigo.
Minha vontade é de proteger a menina.
Acho que é algo que se divide entre familiares, certo?
Não sou muito bom em interações sociais, afinal.
Já faz tempo que a vi pela primeira vez.
Mas meu afeto por ela só cresce, construído pelo sorriso espontâneo.
Pelas brincadeiras que compartilhamos.
Pelos jogos que jogamos.
Sinto que tenho um novo motivo para ir ao Brasil todas as férias.


B. Carter.

Um último Adeus.


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Matheus, 13 anos.

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Então ela partiu também. Minha mãe fechou os olhos pela última vez, e eu não tenho pai. Estou, finalmente e oficialmente, sozinho. Fui expulso do Trailer, mas não queria mesmo ficar ali com meu padrasto. Prometi a mim mesmo que ainda o mataria, e vou.

Um dia.

Eu posso até estar na merda, mas não vou acabar assim. Vou descobrir o mundo, vou conhecer tudo, todos. Eu quero explorar, habitar, quero viver. Quero jogar. E para que isso comece, eu preciso de mais coragem. Essa é a hora, e lá vou eu. O Brasil é um país muito grande para que eu morra na rua, no meio das bocas de fumo. Agora é hora de começar minha vida, e me libertar dessa merda na qual eu estava enfiado até o pescoço.

Matt.

O dia em que Tudo mudou.


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Sara, 12 anos.


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Sabe aqueles dias que você acorda e sabe que algo muito especial vai mudar sua vida para sempre? É, querido amigo diário, hoje foi um desses dias. Certo, vou fazer primeiro um resumo, depois eu te conto O acontecimento. Vamos ver por onde eu começo... Ah sim, pelo começo. rsrs. Logo no café da manhã aquele pirralho do João deixou um sapo na porta do meu quarto achando que eu ia ter medo. Coitado, encontrou o bichinho dentro do copo de leite dele. Ha ha. Bem feito. Só quem não gostou da vingança foi minha mãe, que me obrigou de novo a ver o treino de vôlei. Ela quer porque quer que eu jogue com Patrícia e companhia.

Eu não vou, nem mortinha da Silva.

Enfim, quando cheguei à escola, Lúcia me falou que teríamos teste surpresa de ciências. Eu não tinha estudado nada, mas fui com a cara e a coragem, e espero ter tirado uma boa nota. Depois fomos lanchar, e a fila da cantina estava enorme. E por isso eu achei que minha sorte hoje estava naqueles dias de depressão, estilo tarde de domingo. Só que não. Quando meu pai foi me buscar na escola, depois do meio dia, me avisou que iríamos almoçar na casa de Tio Carlos. Eu não queria, queria ir pra casa, onde estaria segura da minha má sorte, mas ele insistiu, e disse que eu poderia ficar com Brent, porque ele havia acabado de chegar dos Estados Unidos.

Quando ele mencionou isso, eu me senti melhor. Brent era mal encarado, mas sempre jogava video game comigo, e colocava filmes de terror pra gente ver. A tarde não seria tão chata. Poderíamos jogar cartas, ou qualquer coisa. Mas quando chegamos à casa de tio Carlos, Diário, preciso te dizer, ACONTECEU UMA COISA INCRÍVEL.

Quando desci do carro, vi meu primo mais velho, que constantemente me chama de pirralha, de priminha, e que puxa meu cabelo. Ele costuma me irritar, e fica me provocando, cutucando, e arrota perto de mim porque sabe que eu fico maluca. Ele ri quando eu começo a brigar, mas no final ele sempre me trata como se fosse meu pai. Mas hoje, Diário, HOJE, ele estava conversando com um amigo do lado de fora de casa, jogando uma bola na parede e pegando-a. Acho que era bola de basquete.

Ele riu, e parou de jogar a bola quando nós entramos pelo portão da casa dele. Levantou-se e foi falar com meu pai. O jeito como ele sorria, e como falava, e seus gestos, de repente, me deixaram estranha. Eu não consegui me comportar como fazia sempre, não conseguia me mexer, e sorria boba o tempo inteiro. Me perguntei o que estava acontecendo comigo, e fiquei nervosa quando ele olhou pra mim. Fiquei vermelha, eu tenho certeza.

AI QUE MICO.

Ele bagunçou meu cabelo e meu coração quase saiu pela boca, fez uma piadinha e me chamou de priminha, e eu quase derreti completamente, ao invés de ignorá-lo, como sempre fazia. Até que ele me olhou estranho e disse:

"-Tá doente, Sarinha?"

Eu fiz que não com a cabeça e saí quase correndo atrás do Brent. Diário, até o Brent percebeu que eu estava estranha, e me perguntou alguma coisa, que eu não entendi direito... O português dele é tão enrolado que a gente tem que se comunicar por mímica. Às vezes eu fico olhando pra ele pra saber o que ele está tentando me dizer. É mais fácil que falar com ele. Haha, ele até me ensinou palavrões em inglês. Ele fica dizendo quando estamos jogando e eu ganho pra ele. Eu sempre ganho... Hum... Isso é estranho, porque tenho a impressão de que ele joga melhor que eu, mas no fim eu me dou melhor. Depois vou perguntar pra ele porque ele amarela sempre.

Enfim, Diário, depois da tarde inteira fugindo do Rodrigo, meu primo mais velho, ele conseguiu me pegar. Entrou no quarto de Brent e me carregou nos braços até o andar de baixo da casa dele. Eu ria e me contorcia, tentando me soltar, mas aquela sensação estranha ainda rondava, e só quando ele me colocou no chão e eu olhei pra cima, foi que entendi. Igual aquelas meninas das novelas, eu estava APAIXONADA.

Não sei se fico feliz ou triste, Diário. Ele é tão mais velho que eu que eu nem imagino que um dia consiga dizer o que sinto. Que droga, queria ter a idade do Brent, então já teria 16 anos e seria mais fácil.

Mas, um dia... Um dia eu terei 16, ou melhor, 17. E quando esse dia chegar, eu vou dizer a ele.

Sara.